Pertencimento ao Secretariado - parte III
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EDUCAÇÃO: O CAMINHO MAIS SEGURO
A ausência
de pertencimento gera a onda do descartável, do desapego: nos relacionamentos,
nos empregos, com as pessoas, com o conhecimento construído, com a história de
vida vivida. As inovações tecnológicas de comunicação e informação, tão
presentes em nosso cotidiano profissional e pessoal, deram-nos tanta ilusão de
autossuficiência que nos fizeram esquecer de que somos parte de algo maior.
Hoje, evitamos o envolvimento, privilegiamos o distanciamento. Evitamos o
contato face a face e servir o outro. Contudo, queremos estar em todos os
lugares, virtualmente.
Como então desenvolver o sentimento de
pertencimento ao Secretariado, que é o objeto dessa reflexão?
De acordo com Santos (2011,
p. 38), Bourdieu defende que a educação assume uma importância capital na
entrada para o campo profissional.
Complementa afirmando que “a formação, além de capacitar tecnicamente o
futuro profissional, realiza o papel de adequação do olhar, da visão de mundo
do futuro profissional às expectativas do grupo profissional.”
Nesse artigo, adotamos formação como sinônimo
de educação, pois os entendemos como “processo contínuo de construção de
habilidades e competências capazes de possibilitar a um sujeito participar
ativamente das mudanças sociais, econômicas e políticas, e não atuar como mero
espectador relegado à condição de sujeito”. (WAMSER, 2000, p. 112)
Nessa direção, acreditamos que a educação é e
será o caminho para se (re)construir uma consciência coletiva na criação do
sentimento de pertencimento ao Secretariado. Nada se constrói, ou se reconstrói
sem educação. Só avançaremos no Secretariado, e com o Secretariado, pelo viés
da educação. A educação é a chave para abrir caminho para a excelência pessoal,
social e profissional, e nos permite buscar sermos melhor hoje do que ontem.
Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a
vida com a educação.
Como diz Freire (1997, p. 28), “a educação tem
caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos
educando.” Afinal, o ser humano é um ser inacabado, está sempre em construção. Aliado
a isso, o processo de evolução das inovações tecnológicas e da própria
sociedade exige uma educação permanente de seus componentes. Conforme Knechtel
(1995, apud WAMSER, 2000), a educação
permanente é decorrência de uma necessidade de se construir continuamente novas
atitudes e novos modos de pensar, ler e interpretar o mundo, que sofre mudanças
contínuas, velozes e turbulentas.
Defendemos aqui um processo de educação que
proporcione uma leitura de mundo, o desenvolvimento da capacidade da pessoa de
se engajar em projetos e ações, consciente de sua responsabilidade social e
ética; consciente da necessidade de aprender a aprender e saber pensar, para
poder agir e ajudar a transformar o contexto no qual está inserida. (WAMSER,
2000). Defendemos uma educação que dê conta de (re)construir uma consciência
ampliada desse pertencimento tanto ao Todo Cósmico como ao Secretariado.
O papel dos cursos de Secretariado Executivo é
a formação de secretários executivos para atuarem em um mercado altamente
competitivo e em constantes transformações. Segundo a Proposta das Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Secretariado Executivo, devem oferecer ao
mercado de trabalho profissionais com competência para promover e participar da
melhoria do processo de gestão e desenvolvimento de organizações públicas e
privadas, na busca do aumento de produtividade e competitividade. (WAMSER,
2000)
É necessário levar os estudantes a aprender a
aprender e desenvolver a responsabilidade pela construção do seu conhecimento. Para
Moraes (1997), o processo de construção do conhecimento acontece através da
aprendizagem, que não significa memorização pura e simples, mas significa dizer
que, se o sujeito efetivamente aprendeu, será capaz de construir o conhecimento
tempos depois. O sujeito constrói o conhecimento, fazendo uso do raciocínio, da
percepção do mundo externo pelos sentidos e sensações, dos sentimentos, das
emoções, da razão, da intuição. Constrói o conhecimento a partir de sua interação
com a realidade.
Fato é que a educação formal ainda está apoiada
numa visão tradicionalista que reforça a fragmentação do conhecimento, continua
centrada no professor e na transmissão do conteúdo. Wamser (2000) ressalta que
os conteúdos trabalhados em sala de aula raramente são extraídos do cotidiano
dos estudantes, de seus problemas práticos. São, algumas vezes, tão distantes
que os estudantes questionam o porquê deste ou daquele assunto.
Alguns professores, infelizmente, estão
voltados unicamente para sua disciplina. São raros os que têm visão geral das
disciplinas que compõem a estrutura curricular do curso de Secretariado.
Assumem as aulas, mas não se comprometem com o curso. Não têm uma participação
efetiva na construção do conhecimento e desenvolvimento de competências e
habilidades dos estudantes. Sabem pouco de seu cotidiano.
Por outro lado, há também professores
empenhados em enfocar conteúdos cada vez mais próximos da realidade dos estudantes,
usando a pesquisa como atitude cotidiana, evitando o mero repasse copiado de
informações. Desafiam os estudantes através de reflexões, enquetes,
situações-problemas e seminários, a não se contentarem em reproduzir
determinado conhecimento acumulado, mas sim reelaborá-lo depois de confrontá-lo
com suas próprias experiências. Enfim, propiciam condições para o estudante
ler, questionar, investigar, refletir, analisar e emitir seu ponto de vista.
(WAMSER, 2000)
Moraes (1997) é defensora de uma educação
global que leve o estudante a trabalhar em harmonia e compreensão, a
desenvolver padrões de comportamento como cooperação, criatividade,
responsabilidade, respeito aos direitos humanos. Consciente de fraternidade
humana e a percepção de que não estamos sós e de que não podemos crescer
isolados. Podemos dizer que precisamos de um processo de educação que promova a
expansão do capital espiritual com cujo potencial todo ser humano nasce, e que
se reflete em valores, princípios e propósitos que compartilhamos.
Nas palavras de Zohar e Marshall (2004, p. 15),
inteligência espiritual “é aquela por meio da qual acessamos nossos valores
mais profundos, que nos faz usá-los nos processos mentais, nas decisões que
tomamos e nas realizações que valem a pena.” Acrescentam que a inteligência
espiritual é a inteligência moral, com a qual exercitamos a bondade, a verdade,
a beleza e a compaixão.
Torna-se
necessário, contudo, aprender a olhar sob uma perspectiva mais global,
holística, integral, onde o “todo seria mais do que a soma das partes”, de
acordo com Edgar Morin, lembrado por Moraes (1997, p. 72). E ao mesmo tempo “o
todo está também em cada parte”, no que a autora destaca que “um indivíduo não
está somente dentro da sociedade, mas a sociedade enquanto todo está também
dentro do indivíduo (através de seus hábitos culturais, das influências em suas
mentais etc)”.
Essa
visão, para Moraes (1997, p. 73), “nos leva a compreender o mundo físico como
uma rede de relações, de conexões, e não mais como uma entidade fragmentada,
uma coleção de coisas separadas”. Vai exigir de cada um de nós um grande
esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais de uma visão de mundo
cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos relacionamentos, não reconhece a
importância do contexto no qual estamos inseridos.
De forma
mais objetiva, no sentido de desenvolver maior sentimento de pertencimento, a
educação pode colaborar ajudando o profissional a, primeiro, compreender a si
mesmo (autoconhecimento), para saber quem é, qual o seu mais alto potencial,
quais os seus talentos, as suas qualidades e os defeitos que possui (MORAES,
1997). Segundo, pode ajudá-lo a desenvolver uma autoconsciência crescente do
que é importante na vida e na profissão, de que a sua responsabilidade é bem
mais ampla do que ter o Secretariado apenas enquanto profissão. A contribuição
deve ser no sentido de possibilitar a compreensão das dimensões que a profissão
abarca, no que ela se constitui para a sociedade enquanto profissão, e no que
ele representa para a sociedade como pertencente ao grupo profissional. Zohar e
Marshall (2004) enfatizam que o ser humano tem a obrigação de assumir alguma
responsabilidade pela sociedade. Parafraseando, podemos dizer que um
profissional tem a obrigação de assumir alguma responsabilidade pela profissão
que decidiu ter.
Em
terceiro ponto, a educação pode ajudar a construir uma postura profissional
pautada em princípios e valores éticos, traduzidos em credibilidade, envolvimento,
comprometimento e respeito com a coletividade em forma de liderança. Cabe
ressaltar que o Secretariado merece contar com o surgimento de lideranças com
credibilidade e capacidade para aglutinar, mobilizar e impulsionar a geração
atual e as gerações futuras em um direcionamento comum de pertencimento.
Lideranças capacitadas e qualificadas: técnica, metodológica e moralmente. Deverão
ser pessoas íntegras, com sabedoria para servir a algo maior do que a si próprias.
A
geração que esteve à disposição para servir e se dedicou às causas do
Secretariado até hoje, sempre o fez com uma profunda sensação de que não podia
deixar de fazer o que tinha de fazer. Foi determinada e persistente diante das
adversidades. Agora, chegou a vez da geração jovem de continuar a tarefa,
porque um profissional se ausenta de seu grupo ao se omitir na disponibilidade
de liderar.
O
momento é oportuno para isso. A profissão tem plenas condições de sair
fortalecida na medida em que o sentimento de humildade for o elemento balizador
entre as gerações do grupo profissional. A humildade, segundo Zohar e Marshall
(2004, p. 145), “abre a possibilidade de aprender com os outros e com a própria
experiência”, além de ajudar na percepção de se ver como parte da humanidade,
do universo.
A
sustentabilidade do Secretariado como profissão será garantida com o
comprometimento de todas as partes, e à medida que aumentar o grau de
pertencimento de cada uma delas. A tarefa não poderá ficar para o outro. É de
todos que pertencem ao grupo profissional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve o objetivo de iniciar uma
reflexão acerca do sentimento de pertencimento que permeia o ser e fazer do
profissional de Secretariado no cotidiano do mundo corporativo.
A reflexão aqui estabelecida foi amparada na
leitura de alguns teóricos e estudiosos que tratam do objeto de análise.
Contudo, foi particularmente baseada em nossa consciência de pertencer ao grupo
profissional como secretária executiva trilíngue e como professora
universitária.
Convém salientar que a nossa discussão em defesa
da sustentabilidade do Secretariado sempre estará impregnada de fundamento
histórico que começou a se escrever desde a decisão tomada em 1976 de que seria
uma Secretária Executiva Trílingue bem sucedida. De alguém que acredita na
profissão.
Assim, inicialmente,
apresentamos alguns aspectos teóricos sobre o sentimento de pertencimento, sem,
contudo, aprofundar a análise das teorias, em virtude de nossos estudos ainda
serem muito insipientes. Indiferente do
grupo profissional, o sentimento de pertencimento deve levar um profissional a
uma consciência de maior significado, a uma visão animadora ou inspiradora, a
um profundo senso de propósito como ser humano e profissional.
Em seguida, abordamos
conquistas do Secretariado enquanto profissão regulamentada. Permitimo-nos,
também, tecer comentários a respeito de alguns indícios que merecem nossa
inquietação por sinalizarem uma ausência de pertencimento por parte de
integrantes do grupo profissional. Um secretário não
pode mensurar o pertencimento à profissão unicamente pelo valor de seu
contracheque no final de cada mês. Mas, deve mensurá-lo pelo nível de
sentimentos de realização, gratidão, respeito, de bem estar, da melhoria de seu
entorno, do contexto no qual está inserido, em ganho de qualidade de vida.
Após, indicamos, como caminho, para o
desenvolvimento de um maior sentimento de pertencimento, um processo de
educação que privilegie também a educação espiritual. Defendemos que é pelo viés
da educação que se conseguirá neutralizar os indícios de ausência de
pertencimento e coibir que outros surjam oportunamente.
De forma resumida, podemos
dizer que demonstrar sentimento de pertencimento à profissão significa:
Ø
comprometimento
e orgulho de exercê-la.
Ø
mostrar,
com exemplos, que vale a pena optar pelo Secretariado.
Ø
valorizar
a história de vida e levá-la em consideração na construção da carreira.
Ø
ser
gestor do próprio conhecimento e construir um plano de carreira audacioso que
contemple o desenvolvimento pessoal e profissional.
Ø
engajar-se
em grupos de estudo, de pesquisa e de intercâmbio de experiências para aprender
novas metodologias, compartilhar experiências e conhecimentos.
Ø
criar,
ampliar e aprimorar as condições de assessoramento por intermédio da formação
continuada para manter a empregabilidade, agregar valor e responsabilidades ao
cargo.
Ø
construir
uma imagem de credibilidade pela convivência harmoniosa com as pessoas nos
diversos ambientes.
Ø
incentivar
jovens a optarem pela profissão, enfatizando, entretanto, o quão importante é
investir na formação acadêmica e profissional para atuar na área.
Ø
posicionar-se
(jamais omitir-se) em discussões que porventura estejam se referindo à
profissão como uma atividade de menor importância, depreciando sua imagem.
Aproveitar a oportunidade para esclarecer o que é ser profissional do
secretariado na atualidade.
Ø
evitar
entrar na falácia de outrem para denegrir a profissão e o grupo profissional
diante da sociedade, tanto presencialmente como nas redes sociais.
Ø
tratar
as pessoas com dignidade e respeito, independentemente da posição destas na
escala hierárquica.
Ø
tornar-se
um “líder a serviço”, ou seja, um líder disposto “a servir à comunidade, ao
planeta, à humanidade, aos futuros, à própria vida”. (ZOHAR, MARSHALL, 2004, p.
37). Um líder que, ao lado das lideranças corporativas, possa atuar por
intermédio de suas ideias e ações para contribuir na transformação do mundo dos
negócios em um sistema mais humano e plenamente sustentável.
Certamente, essa postura de
pertencimento irá, também, exigir das Instituições de Ensino Superior um
sentimento de comprometimento com a formação de Secretários competentes pessoal
e profissionalmente e capazes de viver e conviver com mudanças organizacionais,
administrativas, tecnológicas e ambientais, e que, acima de tudo, se
compreendam e sejam acessíveis, também, à compreensão das pessoas e das coisas.
(WAMSER, 2000).
Para finalizar, acreditamos que
este artigo é o impulso para o desencadeamento de discussões profícuas e
enriquecedoras com o grupo profissional a respeito do sentimento de
pertencimento ao Secretariado.
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