Pertencimento ao Secretariado - parte I
1 INTRODUÇÃO
Certa
tarde de julho de 2015, minha sobrinha Emily, sua amiga Fran e eu conversávamos
na cozinha sobre o que estavam estudando na escola. Emily prontamente disse que
em Ciências estavam desenvolvendo um projeto sobre a Mata Atlântica. E eu,
diante de minha sabedoria de tia, disse: Emily, você lembra que no ano passado
ficamos um final de semana na casa do avô da Fran no meio da floresta? Lá
estávamos cercados pela Mata Atlântica. E ela respondeu: “Tia Eliane, você sabia que aqui na sua casa você tem Mata Atlântica?” Imediatamente
ela saiu da cozinha e foi até o escritório. Parou defronte a impressora, tirou
uma folha de papel A4, mostrou-me dizendo: “Tia
Eliane, isso aqui é Mata Atlântica.” Minha resposta gaguejando: “Você tem razão, Emily. Quanta Mata
Atlântica eu tenho aqui em casa. E na estante de livros então?”
Na sua
maneira singela, Emily demonstrou e exercitou seu sentimento de pertencimento à
natureza. Aliás, um sentimento que praticamos no cotidiano onde moramos, onde
trabalhamos, onde nos divertimos, onde estudamos, no grupo de amigos com os
quais convivemos.
Zanetti
(2010) lembra que o fato de se pertencer a uma coletividade ser tão antiga e
óbvia não se dá conta de sua importância. Segundo ele, o senso de pertencimento
nos dá a sensação de participarmos de ”alguma coisa maior do que nós mesmos”. Dá-nos
força e incentivo para lutar por uma causa, que será comum também para aqueles
que estão ao nosso lado no dia-a-dia.
Certamente
temos consciência desse pertencimento ao cosmos, mesmo que a partir de pequenas
ações, assim como uma menina de 8 anos de idade, que está no terceiro ano do
ensino fundamental. Pequenas ações que fazem muita diferença no todo. Fazem e
farão também muita diferença em nosso ambiente de trabalho que conta com a
contribuição de cada um para a construção de um mundo mais harmonioso, mais
fraterno, solidário, com consciência ecológica, relacional e sustentável.
Perguntamos:
Os profissionais do Secretariado têm consciência de seu pertencimento à
profissão de Secretário? Em que circunstâncias esse sentimento é
demonstrado? Como desenvolvê-lo para agregar valor à carreira?
Estas questões impulsionam-nos a instigar a classe secretarial no
sentido de chamar a atenção sobre a importância de se perceber no grupo
profissional para refletir sobre o sentimento de pertencimento no sentido de
buscar uma melhor compreensão de como este sentimento pode agregar valor à
caminhada profissional.
Nesse sentido, este artigo
tem como objetivo sensibilizar os profissionais do Secretariado a fazer uma
reflexão sobre o seu sentimento de pertencimento ao Secretariado, para que
cientes de seu pertencimento, ou não, à profissão, consigam (re)planejar a
trajetória profissional diante do que almejam para a vida pessoal e
profissional. Adverti-los de que isso significa que estejam atentos à postura
profissional que decidirem adotar ou construir ao longo do processo de formação
e a partir do contexto onde estão inseridos.
Para tanto, num primeiro
momento, buscamos fazer uma breve incursão conceitual sobre o sentimento de
pertencimento. Convém salientar que não se tem a pretensão, nesse artigo,
desenvolver discussão e análise aprofundadas dos conceitos teóricos que
envolvem e dizem respeito ao sentimento de pertencimento, sob os pontos de
vista de renomados autores e estudiosos no campo da sociologia ou da psicologia
social, tendo em vista nossos estudos ainda serem insipientes para a
envergadura que a temática em questão merece. Ao mesmo tempo, concordamos que
um aprofundamento conceitual é importante e se fará necessário em outra
oportunidade.
Num
segundo momento, contextualizamos brevemente o cenário da profissão de
Secretário mencionando conquistas alcançadas enquanto profissão constituída e
regulamentada que é pela Lei 7.377 de 30 de setembro de 1985, adaptada à
realidade da época pela Lei 9.261, de 10 de janeiro de 1996. Ainda, apontamos
indícios de ausência de pertencimento de integrantes do grupo profissional que
merecem ser observados.
O terceiro momento procura
enfatizar a necessidade de se desencadear um amplo processo de educação que
promova a expansão do capital espiritual, e que contribua na construção de uma
postura profissional adequada aos preceitos da profissão e, por conseguinte,
fortaleça o pertencimento ao Secretariado.
Para finalizar, as
considerações finais clarificam a certeza de que os sinais de pertencimento
podem ser fortalecidos, ou a ausência do sentimento de pertencimento pode ser
superado e erradicado, com um processo de educação que privilegie a formação de
secretários competentes e éticos, capazes de enfrentar o instável mundo das
organizações e de sua administração, bem como acompanhar o acelerado avanço da
tecnologia de informação e de comunicação.
Assim, esperamos contribuir
com o grupo profissional para que seja capaz de se autoavaliar – a partir de
sua caminhada – se o envolvimento e o comprometimento com a profissão estão a
contento para alcançar os objetivos que almeja. Ou se será necessário
(re)adequar-se para contemplar o envolvimento com a profissão de maneira mais
satisfatória.
Entendemos que nos compete,
como formadora de secretários, instigar profissionais (aqui entendidos
estudantes e bacharéis) à reflexão e à discussão sobre pertencimento para que
possam refletir e agir dentro e a partir da realidade profissional. Nossa
contribuição, nesse artigo, é baseada em pesquisa bibliográfica e em nossa
maneira particular e individual de observar o Secretariado por intermédio de
nossa leitura de mundo advinda de vivências e convivências como professora
universitária na área de Secretariado desde 1992 e, principalmente, como alguém
comprometido com a formação contínua de profissionais do Secretariado com as
competências requeridas pelo mundo do trabalho e conscientes de seu papel na
sociedade.
2
PERTENCIMENTO: BREVE INCURSÃO CONCEITUAL
As
pessoas precisam e se sentem bem ao dizer que fazem parte de algum grupo ou
programa, ou ação; têm orgulho em pertencer àquele momento da história, segundo
Zanetti (2010). No senso comum, dizemos que o ser humano nasceu para viver em
sociedade, porque não consegue viver sozinho. Estudiosos defendem que a leitura
de mundo de uma pessoa está amparada em sua história de vida.
Quando
se refere à situação planetária e ao futuro do cosmos, D´Ambrósio (1997)
evidencia que cada um de nós é o que é, dentro de determinado contexto. Como educador
matemático brasileiro e internacional, um defensor de se promover uma cultura
planetária, uma educação multicultural, uma educação para a paz, capaz de
eliminar as diferenças, o autor assevera que é necessário entender o homem na
sua integralidade porque é o homem integral “que procura entender a sua posição
ao longo da história e procura adquirir conhecimento para sobreviver e transcender.”
(p. 30).
Afirma,
ainda, que estamos inseridos no cosmos e que “somos tudo isso ao mesmo tempo,
uma realidade individual, uma realidade social, uma realidade planetária, uma
realidade cósmica. Temos que entrar em harmonia com tudo isso. Temos que entrar
em harmonia com a gente mesmo, em
harmonia com a sociedade, com o
planeta e com o cosmos.” (D`AMBRÓSIO, 1977, p. 33).
O autor
trata de nossos relacionamentos com nossos semelhantes e com a própria
natureza. Da interdependência entre o ambiente e o nosso ser, entre nosso
pensamento, que incorporamos por meio da percepção captada pelos órgãos dos
sentidos. Interdependência essa que por si só implica um imenso respeito que
devemos ter diante das diferenças, da diversidade entre os seres, das
diferenças cultural e social.
O fato
de sermos interdependentes e inseparáveis de um Todo Cósmico, onde ações nossas
em Florianópolis, os desmatamentos no Pará, a desertificação no Nordeste, o
derretimento das camadas de gelo no Polo Ártico, o aumento do nível dos
oceanos, a exaustão dos aquíferos, o aquecimento global, tudo impacta na
natureza, em nossa realidade e na realidade do próximo, onde quer que se
esteja.
D`Ambrosio
(1997, p. 30) enfatiza que buscamos no cosmos a nossa posição e que é “somente
a partir da hora que eu reconheço que eu sou eu é que sou um indivíduo. Mas eu sou nada se não tiver o outro.” Um reconhecimento que buscamos quando
pertencemos a um meio e nesse meio sentimo-nos integrados.
Para
Abraham Maslow, psicólogo americano, o ser humano, como ser social, tem uma
necessidade de pertencer a um grupo. Acreditava que muito do comportamento do
ser humano pode ser explicado pelas suas necessidades e pelos seus desejos. Na
pirâmide das necessidades que elaborou, a necessidade de pertencer ocupa o
terceiro degrau. Conforme Zohar e Marshall (2004), ao se referirem à hierarquia
das necessidades de Maslow, afirmam que, além da necessidade de sobrevivência a
qualquer custo, seguida pela necessidade de segurança, são contempladas
necessidades mais elevadas, como estabelecer vínculos sociais (sensação de
pertencer), ter autoestima e auto atualização, que denominam de necessidade de
crescimento espiritual e psicológico e de encontrar sentido na vida.
Os
autores ainda lembram que desde que Maslow elaborou sua pirâmide, houve um constante
progresso nos estudos de psicólogos, antropólogos e neurocientistas para
entender melhor a natureza humana. Estudos revelaram que os seres humanos são
primariamente criaturas que procuram significado e valor (auto atualização).
“Precisamos da sensação de que estamos fazendo algo que vale a pena e do
impulso de um propósito.” (ZOHAR, MARSHALL, 2004, p. 34). O ser humano precisa
se sentir aceito, útil, valoroso. Em suma, fazendo parte de algo.
No
Dicionário de Direitos Humanos, que poderá ser acessado pelo portal da Escola
Superior do Ministério Público da União, Amaral (2006, p. s/n), escreve que a sensação
de pertencimento “significa que precisamos nos sentir como pertencentes a tal
lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos
que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na
rotina e nos rumos desse tal lugar.”
Ainda,
nas palavras de Amaral (2006, p. s/n), pertencimento, ou o sentimento de
pertencimento, “é a crença subjetiva numa origem comum que une distintos
indivíduos. Os indivíduos pensam em si mesmos como membros de uma coletividade
na qual símbolos expressam valores, medos e aspirações.”
Amaral
(2006, p. s/n), baseado em Weber, diz que “a comunidade se auto define e
estabelece as suas fronteiras, bem como estabelece meios de diferenciação tanto
interna como externa. Os costumes que essa comunidade é capaz de gerar podem
garantir a sua sobrevivência e reprodução.” Complementa afirmando que é a
comunidade que está voltada para a ação, partilhando valores, costumes, uma
memória comum, criando uma “comunidade de sentido”, independentemente de laços
sanguíneos, na qual há um “sentimento de pertencimento”, que tem relação com a
noção de participação.
Na
medida em que o grupo se sente ator da ação em curso, o que for sendo
construído de forma participativa desenvolverá a corresponsabilidade,
pertencendo os resultados a todos desse grupo, pois conterá um pouco de cada
um. A essência de um grupo “não é a semelhança ou a diferença entre seus
membros, mas a sua interdependência”, destaca Lewin (1978, apud ALBERNAZ, 2011, p. 122). A autora salienta que quase toda a
vida não agimos apenas como indivíduos, mas como membros de diferentes grupos
sociais. Adverte que a relação do indivíduo com o seu grupo é o alicerce para o
seu sentimento de segurança ou de insegurança.
As
profissões organizam-se como grupos sociais e podem atuar no mercado de
trabalho a partir de sua regulamentação profissional, do estabelecimento de um
código de ética profissional, pela formação e pelo reconhecimento social.
Santos (2011, p. 37) sustenta que Bourdieu entende “uma profissão como um grupo
social dotado de recursos sociais específicos para delimitar seu campo no
espaço social.”
Sobre
essa delimitação, Santos (2011, p. 28), ao referenciar Abbott, destaca que “os
grupos profissionais lutam por áreas específicas da divisão do trabalho.” O
instrumento de organização dessa disputa no sistema profissional é o grau de
abstração do conhecimento que a profissão controla. “Quanto mais abstrato o
conhecimento, maior o poder da profissão” (p. 28).
O mesmo
autor adverte que profissões que não conseguem tornar o seu corpo de
conhecimento suficientemente abstrato tendem a desaparecer. Reside nesse sentido a necessidade de se
estabelecer uma espécie de laço entre o grupo profissional e seus conhecimentos
específicos, que Abbot apud Santos
(2011) denomina de jurisdição. O autor também chama a atenção para a
importância da educação (conhecimento) para autonomização dos grupos
profissionais.
Para
Weber (1999, apud SANTOS, 2011, p.
31), “a profissão seria o meio de o indivíduo capacitado se inserir no mercado
para satisfazer suas necessidades materiais ou imateriais”, como por exemplo,
posições sociais, honras, títulos, em outras palavras, poder social. O mesmo
pensamento é endossado por Larson (1977, apud
SANTOS, 2011, p. 32) que entende “a profissionalização como uma estratégia para
conquistar poder, prestígio e renda na sociedade”.
Aliado a
isso, há a competição no mercado de trabalho e o fato de que não haverá espaço
para profissionais que apenas se contentam em cumprir suas horas, fazer o seu
trabalho e ir para casa. Terão que assumir responsabilidades, trabalhar por
metas com as especificações de desempenho.
Da mesma
forma que é preciso nutrir o sentimento de pertencimento ao Cosmos para cada um
atingir seu estado de paz interior, que por sua vez é essencial, nas palavras
de D`Ambrosio (1997), para que se encontre uma paz social, entendemos que é
preciso se desenvolver o sentimento de pertencimento à profissão que se opta
ter para se inserir e atuar no mundo do trabalho.
A consciência de pertencimento, ou o sentimento de pertencimento de
um profissional, não é automático, e nem acontece imediatamente a partir do
momento em que, por intermédio de seu processo de formação, tem a condição de
entrar e se manter no grupo profissional. O comprometimento com o grupo
profissional é uma estratégia para lutar por uma colocação no mercado de
trabalho. Porém, não unicamente. O comprometimento também resulta na criação de
um vínculo que permite contribuir com o grupo, sentir-se integrado e fazendo
parte da construção da história desse grupo.
É
sobremodo importante refletir e buscar uma compreensão, mesmo que preliminar,
do sentimento de pertencimento que permeia – ou não – o profissional de
Secretariado. Torna-se necessário, contudo, aprender a olhar sob uma
perspectiva mais global, holística, integral. Um aprendizado que vai exigir de
cada um de nós um grande esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais
de uma visão de mundo cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos
relacionamentos, não reconhece a importância do contexto no qual estamos inseridos.
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